As crianças não nascem más: a psicologia do bullying

De tempos em tempos, uma notícia de bullying torna-se viral. E apesar deste (momento da publicação) não ser um desses tempos, o assunto em questão foi uma das maiores motivações da construção deste blog, particularmente o momento em que um “especialista da saúde mental” disse em TV pública “algumas crianças já nascem más”.

1 - O que é o Bullying?

Chama-se bullying a uma série de formas de agressão intencionais, repetitivas, diretas e indiretas, visando um ou mais pares com relativamente menos "poder". Por menos "poder" refere-se a menor força física ou destreza intelectual (percebida ou real) e/ou diferenças em números.

As formas típicas de comportamento tradicional de bullying incluem ações físicas prejudiciais, danos à propriedade pessoal, abuso verbal e exclusão social. Formas de cyberbullying incluem ameaças, intimidação, assédio, perseguição, difamação, exclusão social, falsificação de identidade, invasão de privacidade, manipulação, chantagem e divulgação de segredos (Paul et al., 2012Olweus, 1997).

2 - Quem são os Bullies?

Em poucas palavras, os bullies (praticantes de bullying) são crianças jovens que têm frequentes respostas agressivas para pares e adultos. Favorecem o uso de violência para alcançar um fim. São impulsivos e demonstram pouca empatia pelas suas vítimas.

Geralmente ouvimos dizer que o bully é agressivo para mascarar a sua insegurança e ansiedade interior, mas isto está errado, geralmente é precisamente o contrário. Enquanto há um perfil de bully que também é vítima noutros contextos, este não é o perfil mais comum.

Existem 5 fatores especialmente importantes que influenciaram ou influenciam o comportamento da criança para o bullying (Olweus, 1997):

  • A atitude emocional do(s) cuidador(es) primário(s) em relação à criança durante os primeiros anos de vida (geralmente a mãe): uma atitude emocional negativa, caracterizada pela falta de amor e envolvimento, aumenta o risco de mais tarde a criança se tornar agressiva e hostil com os outros;

  • Atitude de permissividade para o comportamento agressivo da criança: se o(a) cuidador(a) principal for frequentemente permissivo e "tolerante", sem estabelecer limites claros para o comportamento agressivo em relação aos pares, irmãos e adultos, o nível de agressão da criança tende a aumentar;

  • Uso de métodos de educação baseados no poder: como punição física, berros e violentas explosões emocionais. Crianças frequentemente expostas a estes métodos de resolução de problemas são propensas a tornarem-se mais agressivas do que a criança média.

  • O temperamento da criança: uma criança com um temperamento ativo e "cabeça quente", tem mais probabilidade de se tornar um jovem agressivo do que uma criança com um temperamento mais calmo. Porém, o efeito desse fator é menos poderoso do que os das duas primeiras condições supramencionadas.

  • Supervisão (ou falta dela) nas atividades desenvolvidas fora da escola.

É importante realçar que o nível socioeconômico da família não está relacionado com os bullies. No entanto, vítimas e bully-vítima são mais prováveis serem de famílias com dificuldades socioeconómicas (Tippett & Wolke, 2014).

3 - As razões do Bullying

Bullying é um comportamento, isto significa que tal como todos os comportamentos, tem uma função. O comportamento de bullying proporciona (Olweus, 1997):

  • Sensação de controlo e de dominância;

  • Popularidade e estatuto social mais elevado;

  • Influência social;

  • Recompensa direta do comportamento: atenção, dinheiro…

4 - O Futuro dos Bullies

Embora nas idades mais jovens o bullying proporcione vantagens imediatas como popularidade, conforme o avanço escolar o estatuto social torna-se cada vez menor, atingindo o patamar mais baixo por volta dos 16 anos, contudo não chegam a ser tão impopulares como as suas vítimas. 

Os bullies, mais tarde, têm maior probabilidade de se envolverem em comportamentos criminais e de consumo de substâncias. Deveras, num estudo realizado na Noruega, 60% dos jovens considerados bullies entre o 6º e 9º ano, pelos 24 anos de idade já tinham sido presos pelos menos uma vez, e entre 35 a 45% já tinha sido preso 3 vezes; em comparação, num grupo de jovens não bullies apenas 10% é que tinha sido preso uma vez (Olweus, 1997).

5 - O que Podemos Fazer?

Bullying não é um problema das crianças, nem das famílias, é um problema de toda a sociedade. A escola tem um papel importante. Em casa é possível adotar medidas e estratégias que ajudem a gerir o comportamento agressivo da criança, e um psicólogo é capaz de ajudar com isso. Mas a principal intervenção será na escola, pois o ambiente escolar tem de ser um que promova apoio e comportamentos apropriados em todos os alunos. Isso é feito pela identificação de comportamentos que são valorizados pela comunidade escolar e que podem ser aplicados a todos os alunos em todas as situações. O que é valorizado é diretamente comunicado e ensinado aos alunos, de forma a que estes saibam que ações são esperadas deles. Adicionalmente, essas ações são sistematicamente reconhecidas e reforçadas a qualquer momento, assim como o comportamento indesejado é desencorajado de uma forma consistente (McKevitt & Braaksma, 2007) De facto, não devemos apenas esperar que as crianças se portem bem, devemos primeiro demonstrar o que é “portar bem” e, depois, reconhecer e validar quando a criança o faz.

Até à próxima,

Ricardo Linhares

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