Psicoterapia, Aconselhamento, Acompanhamento Psicológico, Counselling, Intervenção Psicológica... - Afinal quais são as Diferenças
Este texto é para quem se sente confuso em ver todos esses termos, realçando alunos/as de psicologia, potenciais clientes e mesmo outros psicólogos/as.
1 - Muitos países, muitas pessoas e muitas formas de dizer o mesmo
Há muitas formas de falar sobre a prática da psicologia. Para tentar explicar o meu ponto de vista de uma maneira concisa vou começar por definir o que é a psicologia e a partir daí abordar os diferentes termos.
Uma definição unânime de Psicologia, citando a APA (American Psychological Association), psicologia é “o estudo da mente e do comportamento”. Deste modo, a prática da psicologia – a intervenção psicológica - é o uso do conhecimento do funcionamento da mente e do comportamento numa variedade de contextos para uma variedade de fins.
Quando utilizamos o conhecimento da psicologia para intervir na área da saúde e bem-estar, chamamos-lhe, mais especificamente, de Psicoterapia, Terapia, Aconselhamento Psicológico, Acompanhamento Psicológico, Apoio Psicológico ou Counselling.
Num parecer sobre psicoterapia, a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) refere:
“… fazem parte do perfil de competências profissionais dos Psicólogos e dos atos que podem realizar enquanto Psicólogos (…) a consulta/ acompanhamento/ aconselhamento psicológico, a psicoterapia ou qualquer terapia psicológica de modificação do comportamento, assim como as intervenções psicológicas e psicoeducativas”
2 - Mas porquê tantos nomes?
Ao longo do tempo os psicólogos foram vendo a saúde mental de diferentes formas. Há perspetivas onde os métodos se baseiam em medidas de características de personalidade “saudáveis”, daquilo que constitui um desvio dessa norma e a intervenção psicológica visa corrigir esses desvios. E isto é compreensível, afinal são características que podem estar a trazer sofrimento para a pessoa. De facto, a origem da palavra terapia significa curar ou tratar, assim tal e qual como numa doença orgânica o objetivo do tratamento é restabelecer o normal funcionamento. Deveras, faz sentido usar-se o termo psicoterapia (terapia baseada no estudo da psique) para tratar e restabelecer a normalidade do funcionamento da mente.
Noutra perspetiva, na qual outros psicólogos caminham, as pessoas não são vistas dentro do que é normal e anormal, o psicólogo não crê saber nem finge que sabe o que é normal ou anormal, nem qual é a forma correta de se viver. Em vez disso, as ações do psicólogo comunicam interesse e curiosidade genuínas, que ajudam o/a cliente a explorar a sua experiência e a construir a vida que realmente deseja viver. A intervenção psicológica que estes psicólogos utilizam também é psicoterapia, tal e qual como os da perspetiva anterior, porém como vamos ver de seguida existem vários modelos de psicoterapia e uns enquadram-se melhor numas perspetivas do que noutras. Por estes diferentes modos de ver os problemas e dificuldades das pessoas, os psicólogos podem querer afastar-se de alguns termos que têm uma conotação de doença ou de “norma”, tais como psicologia clínica ou psicoterapia, e em vez disso utilizar termos como aconselhamento e/ou acompanhamento psicológico, apoio psicológico, consulta de psicologia ou Counselling.
Noutro ponto de vista, a expressão Counselling será algo diferente dependendo do país onde se está. Nos Estados Unidos da América, Counselling é uma profissão por si mesmo e a formação da pessoa não é em psicologia, apesar da sua prática ser também a intervenção psicológica e ser também numa das modalidades de psicoterapia. No Reino Unido, não existe essa profissão à parte da de psicólogo, existe Counselling Psychology, que aparece como alternativa à Psicologia Clínica, na escolha da pós-graduação para estudantes de psicologia (ver um programa de clínica, ver um programa de counselling, outra fonte). Após rever diversos programas universitários e as diferenças entre os estudos de ambos, a minha conclusão é que as maiores diferenças nos programas são que no Counselling há um foco menor em psicopatologia e avaliação psicológica e, em contrapartida, há um foco maior numa abordagem de psicoterapia chamada de Terapia Centrada no Cliente, relativamente aos de Psicologia Clínica.
De facto, a expressão Counselling também é utilizada para se referir a essa mesma abordagem específica da psicoterapia, a Terapia Centrada no Cliente desenvolvida por Carl R. Rogers, que na introdução do seu livro “Counselling e Psicoterapia,” realça que ambos os termos se referem basicamente ao mesmo. Existe apenas uma tendência para chamar à intervenção psicológica com periodicidade mais espaçada e de menor duração de Counselling e de psicoterapia à intervenção que requer mais tempo e maior frequência. Porém, tecnicamente não há de facto diferenças nenhumas.
Hoje em dia, sobretudo nos países como Portugal, em que não existe a profissão de Counsellor, o termo Counselling é utilizado por psicólogos para diferenciar a utilização da Terapia Centrada no Cliente desenvolvida por Rogers, ou que de algum modo se identificam e trabalham de acordo com os valores (ou atitudes) identificados por Rogers: autenticidade, consideração positiva incondicional e empatia. Um espaço com estes valores promove a tendência natural da pessoa-cliente para o seu bem-estar.
Em Portugal, o termo Counselling é traduzido para aconselhamento psicológico, o que de uma certa forma tem uma conotação de brevidade, e por isso, por vezes, são utilizados os termos aconselhamento e acompanhamento psicológico em conjunto (ou individual) como alternativa ao termo psicoterapia.
3 - Psicoterapia: uma palavra com diferentes significados
Concluímos no tópico anterior que os termos Psicoterapia, Terapia, Aconselhamento, Acompanhamento Psicológico e Counselling significam basicamente o mesmo, isto é, referem-se à intervenção psicológica realizada no âmbito da saúde e bem-estar. A única diferença é que os termos Counselling, Aconselhamento e Acompanhamento Psicológico poderem ser utilizados para se referir ao uso específico da Terapia Centrada na Pessoa, ou então como forma de realçar os valores de autenticidade, consideração positiva incondicional e empatia, que estes psicólogos encarnam e também para se distanciarem das conotações que o termo psicoterapia adquiriu. Já agora, esta última opção é o meu caso.
Posto isto, daqui para a frente vou utilizar unicamente o termo Psicoterapia, para me referir às intervenções psicológicas utilizadas na promoção da saúde e bem-estar das pessoas.
É a partir de uma teoria e investigação sobre o funcionamento da mente e do comportamento humano que nascem as psicoterapias. Diferentes teorias com diferentes implicações práticas deram origem a diferentes psicoterapias. De uma certa forma é possível chegar a Roma por mais de um caminho, de uma outra forma algumas psicoterapias são específicas a determinados problemas ou perturbações psicológicas e só devem ser utilizadas nesses parâmetros.
Atualmente uma psicoterapia é classificada como cientificamente testada e apoiada, quando perfaz um dos dois seguintes critérios, designadamente:
Pelo menos dois ensaios clínicos de qualidade entre-grupos, demonstrando eficácia numa ou nas duas seguintes formas:
Superioridade: O tratamento é estatisticamente mais eficaz quando comparado com placebo ou a outro tratamento;
Equivalência: O tratamento é equivalente a um outro tratamento já estabelecido cientificamente.
OU
Uma grande série de ensaios clínicos de sujeito único a demonstrar eficácia, sendo que o estudo deve ser de qualidade e a intervenção comparada a outro tratamento já estabelecido cientificamente.
Além disso, para ambos os critérios o tratamento deve estar manualizado, as características dos participantes devem estar bem especificadas e os efeitos do tratamento têm de ser demonstrados. Estes critérios foram avançados por Chambless e Hollon em 1998, contudo como a metodologia dos psicólogos evoluiu nos últimos anos, estamos no processo de aplicar um conjunto de critérios mais exigentes e mais informativos às psicoterapias desenvolvidas.
Menciono estes critérios para realçar que, uma psicoterapia para poder ser utilizada eticamente e com segurança com um cliente, tem de cumprir um conjunto de normas que comprovam a sua eficácia. Todavia, existem diversas intervenções com o suposto objetivo de promover a saúde e o bem-estar da pessoa que não só não cumprem estes critérios, como podem nem sequer ter um único estudo real a comprovar a sua eficácia.
A Ordem dos Psicólogos Portugueses realizou uma série de pareceres éticos e deontológicos onde averiguaram algumas dessas intervenções, a lista pode consultada aqui.
4 - As diferentes modalidades de Psicoterapia
As diferentes psicoterapias podem ser enquadradas nas seguintes 3 modalidades:
Psicoterapias Psicodinâmicas: Esta modalidade foca-se em mudar comportamentos, emoções e pensamentos, através do trabalho em descobrir o seu significado inconsciente. Originaram com Sigmund Freud, mas desde então foram extensivamente modificadas e evoluídas.
São exemplos:
Terapia Psicodinâmica de Curta Duração
Terapia Focada na Transferência
Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais: A parte Comportamental foca-se na aprendizagem de comportamentos, tendo como figuras chave Ivan Pavlov, John Watson, Edward Thorndike e Brutus Skinner. Já a parte Cognitiva desta modalidade enfatiza o papel do pensamento na experiência de emoções e comportamentos disfuncionais. Teve como figuras principais Albert Bandura, Albert Ellis, Aaron Beck e também David Barlow na elaboração de diferentes aplicações desta modalidade
São exemplos:
Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (modelo de 2ª geração)
Protocolo Unificado para o Tratamento Transdiagnóstico de Perturbações Emocionais
Terapia de Aceitação e Compromisso
Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness
Terapia Comportamental Dialética
Psicoterapias Humanistas: Esta modalidade enfatiza a capacidade das pessoas fazerem as melhores escolhas para si mesmas e em desenvolverem o seu potencial máximo. Genuinidade, respeito e aceitação do outro, também são aspetos importantes. Como figuras importantes temos Abraham Maslow, Carl Rogers e Fritz Perls.
São exemplos:
Terapia Focada nas Emoções
Psicoterapia Interpessoal
Terapia Centrada na Pessoa
Esta lista não é exaustiva e reflete também a minha formação que focou sobretudo nas modalidades humanistas e cognitivo-comportamentais. Além disso, algumas destas psicoterapias são apenas para questões específicas, outras são mais abrangentes e têm eficácia comprovada numa variedade de problemas. Os psicólogos podem também ter um método mais integrativo, servindo-se de conhecimentos de diferentes modalidades e adaptando a intervenção, da forma que mais eficaz será com a pessoa que está à sua frente.
5 - Quem pode providenciar a Psicoterapia
Faz sentido pensarmos que quem proporciona a psicoterapia é o psicoterapeuta, e de facto, é verdade. Em diferentes países existem diferentes profissões que também estudam psicologia e saúde mental, como isso varia de país para país, quando alguém se dirige a um público internacional (como autores de livros técnicos de uma abordagem psicoterapêutica) e quer referir o profissional que faz psicoterapia, diz apenas Psicoterapeuta ou Terapeuta. Como vimos, nos EUA um Counsellor é um psicoterapeuta, mas também assistentes sociais podem ser psicoterapeutas ou enfermeiros psiquiatras. Não obstante, têm formação específica e um órgão que regula a prática da psicoterapia.
Em Portugal, os únicos profissionais que estão legalmente reconhecidos para utilizar intervenções psicológicas na promoção da saúde e bem-estar da pessoa (ou seja, psicoterapia), são os psicólogos e médicos psiquiatras com inscrição nas respetivas ordens.
A OPP avançou um parecer sobre a prática de psicoterapia que pode ser consultado aqui.
Os psicólogos recebem a formação base de psicoterapia na universidade, podem também ao longo do tempo realizarem mais formações para obterem o reconhecimento de Psicólogo Especialista em Psicoterapia pela OPP; da mesma forma, também os médicos psiquiatras precisam ter uma formação base em psicoterapia para providenciar psicoterapia, porém já têm os conhecimentos necessários que os habilita a aceder a essas formações.
A maioria das formações avançadas em psicoterapia está interdita a profissionais não psicólogos e não médicos psiquiatras. No entanto, como mencionei anteriormente existem "modalidades de psicoterapia” não validadas cientificamente e instituições que fornecem formações dessas terapias a qualquer pessoa, quer saiba alguma coisa de saúde mental ou não.
Já os profissionais da medicina psiquiátrica e de psicologia, tendo já um entendimento do que constituiu uma intervenção válida e tendo o dever de estar cientificamente atualizados, utilizam sempre abordagens psicoterapêuticas com eficácia comprovada na resolução dos problemas e dificuldades de vida que a pessoa apresenta.
Para concluir, indico que o objetivo deste texto é informar, no sentido de ajudar quem precisa a navegar este conjunto de termos que os psicólogos erroneamente começaram. É também para alertar, pois muita coisa que existe por aí apesar de até poder ser feita com boas intenções, pode acabar por ser prejudicial. E por fim, é para realçar que se porventura requisitar serviços na área da saúde mental, independentemente do que for (ansiedade, depressão, luto, decisões difíceis, etapas da vida - qualquer coisa que esteja a criar dificuldade é importante), faça para os receber de um psicólogo/a ou de um médico/a psiquiatra.
Até à próxima,
Ricardo Linhares