Stresse: Afinal o que é e porquê que toda a gente o tem

Stresse é um tema que está sempre em alta, e há de facto boas razões para isso. Neste texto realça-se o que é o stresse numa perpetiva biológica, psicológica e social, e como essas várias dimensões interagem para criar expressões como "ando stressado".

1 - O que é o Stresse

Ao falarmos de stresse podemos referir-nos a duas coisas, um stressor (causador de stresse) ou à resposta de stresse (a reação ao stressor).

Um stressor é normalmente um perigo iminente à nossa segurança. A perceção de perigo inicia a resposta de stresse, isto é, a mobilização de energias e a organização de sistemas do corpo humano, de forma a oferecer a melhor condição física e mental para enfrentarmos o stressor.

A esta resposta de stresse em específico, podemos chamar-lhe de medo. Medo é uma emoção, é um estado de alarme automático e primitivo e resultante de uma avaliação cognitiva de um perigo ou ameaça presente.

Se é primitivo, quer dizer que nos acompanhou ao longo da evolução humana, se é automático então é involuntário e se é cognitivo é influenciado por pensamentos.

É precisamente a cognição que diferencia a emoção de medo entre animais e humanos. Quando um animal sente medo ele está a lutar pela sua vida, seja a fugir de um predador ou a tentar caçar uma presa. Uma coisa é certa, este é um acontecimento de curta duração. Nós somos especiais, nós podemos estar exatamente no mesmo estado de alarme quando estamos em casa a ver televisão. Não temos de estar em frente a um leão para estar sob stresse, basta-nos ter pensamentos sobre coisas que são imprevisíveis e incontroláveis e que podem ameaçar os nossos interesses.

Para nós, um stressor não é um leão, é basicamente qualquer coisa percebida como aversiva, seja um leão, hipoteca da casa, falar em público, ir a uma entrevista de emprego, bem como, eventos num futuro distante e longínquo, como o facto de que um dia todos vamos morrer.

Quando a ativação da resposta de stresse permite evitar um perigo, é adaptativa, funcionou do modo que evoluiu para funcionar. Quando expostos constantemente a stressores, a mesma resposta é ativada no nosso corpo e podemos tornar-nos mais sensíveis a potenciais situações de perigo, levando-nos a estar sempre em alerta, mesmo na ausência de stressores – sentimos ansiedade. Por outro lado, coisas como pensamentos, ou mesmo situações comuns, como querer algo que não conseguirmos, aturar um chefe idiota, sentirmo-nos inferiores a outros, ter muitas exigências para cumprir, entre outras coisas, perpetuam a experiência de stresse. Disso, podem advir uma série de problemas, precisamente por manter a resposta de stresse ativa demasiado tempo, como úlceras, colesterol, pressão arterial elevada, depressão, etc.

Nesta primeira parte falei de estados emocionais sobretudo o medo e a ansiedade como stresse. Deveras, ansiedade e stresse são termos que se usam muitas vezes para se referir ao mesmo estado de tensão e pressão interna. São de facto parecidos, mas há importantes diferenças a destacar. Enquanto todas as emoções são stresse, nem todo o stresse são emoções. O stresse é perturbação do equilibrio geral do corpo. Certas perturbações especificas deste equilibrio corporal constituem emoções. Mas às vezes uma perturbação do equilibrio pode ser apenas comichão na cabeça, ou a falta de água no organismo, tudo isto é stresse (muito ou pouco consoante a situação), mas não são estados emocionais.

2 - A Resposta de Stresse

Quando um mamífero está sob stresse, geralmente está a caçar ou a fugir, em ambas precisa de correr rápido para escapar ou apanhar a presa. Como descendentes dos mamíferos o mesmo acontece connosco, a resposta de stresse é precisamente o processo de colocar mais energia nos músculos.

No cérebro, uma área denominada hipotálamo, controla a libertação das hormonas produzidas pelas várias glândulas hormonais do corpo. Na resposta de stresse são libertadas essencialmente duas hormonas: adrenalina e glucocorticoides (cortisol). A primeira é ativada de imediato enquanto a segunda tem uma função mais reguladora, permitindo modelar a resposta, para que esta fique ativa durante mais tempo. A secreção de adrenalina é a faísca que dá início a uma série de procedimentos e alterações corporais. É mobilizada glucose (hidratos de carbono) das células que armazenam gordura para energizar os músculos necessários à sobrevivência. Para que estes nutrientes, com a adição de oxigénio, cheguem rapidamente ao destino, o batimento cardíaco, a pressão arterial e o ritmo da respiração aumentam. Tornamo-nos menos sensíveis à dor e certos aspetos da cognição e das capacidades sensoriais de deteção de perigo ficam mais apuradas. Simultaneamente, para não desperdiçar energia, são desligadas todas as funções não essenciais à luta: os sistemas digestivo, de crescimento, imunológico e de reprodução.

3 - O Impacto do Stresse

Quando a adrenalina é segregada chega ao sangue em ~15 segundos e demora novamente segundos a desaparecer. Já a segunda hormona, glucocorticoide, leva entre minutos a horas a chegar ao sangue e, igualmente, horas a desaparecer. Refletindo sobre isto, não admira utilizarmos a expressão “ando stressado/a”.

A adrenalina inibe o sistema digestivo (ex: a boca fica seca quando estamos nervosos), mas a glucocorticoide estimula o apetite, especialmente por doces e hidratos de carbono (ex: todos aqueles filmes onde as pessoas atacam os baldes de gelado no fim de um relacionamento) e, de facto, os níveis de glucocorticoides (o stresse) reduzem mais rápido após comer.

Vejamos o seguinte exemplo, uma pessoa que não está sempre em resposta de stresse, mas que tem várias situações de stresse durante o dia. As adrenalinas vão e vêm conforme os stressores, mas a glucocorticoide está sempre presente no organismo, logo está sempre sob stresse, e com apetite mais acentuado, exceto naqueles momentos em que o corpo segrega adrenalina.

O stresse também afeta o sistema digestivo de outra forma – síndrome do intestino irritável. Fortes stressores crónicos aumentam consideravelmente o risco de aparecerem os primeiros sintomas e de piorar os pré-existentes. Há também úlceras duodenais, causadas pela presença de uma bactéria em conjugação com episódios de stresse severos ou stresse crónico.

Mulheres grávidas sob stresse prolongado vão inserir glucocorticoides no sistema da criança, contribuindo para o desenvolvimento de ansiedade na mesma. A criança virá a segregar níveis elevados de glucocorticoides, mesmo para stressores pouco relevantes.

A presença de elevados níveis de glucocorticoides em crianças também diminui a produção de testosterona, fazendo com que a criança masculina atinja a puberdade mais tarde e seja um adulto com pouco apetite sexual e genitais menos desenvolvidos. Há ainda, extremamente raros casos, onde a pessoa nunca chega a atingir a puberdade (nanismo psicogênico), é o caso do autor que escreveu Peter Pan. Estipula-se que isso possa acontecer em situações de vivências incrivelmente aterrorizantes.

Stressores breves e de moderada severidade aumentam as nossas capacidades cognitivas. Este é o bom stresse, aquele que nos dá “pica” para fazer algo. As memórias provenientes desses eventos são de fácil recuperação, são geralmente as memórias onde usamos a expressão “lembro-me como se fosse ontem”.

Um stressor severo não interfere com a capacidade de formular memórias do evento, mas interfere com o acesso a elas, interferindo com as conexões neuronais entre o córtex (processamento) e o hipotálamo (repositório destas memórias). Enquanto um stresse positivo cria uma autoestrada para a memória, um stresse severo ou prolongado não só não cria autoestrada como também destrói a estrada nacional. No entanto, restam os “caminhos de cabra”, que na prática consiste em aceder primeiro a memórias relacionadas para chegar ao destino.

Já agora, não dormir o suficiente causa stresse e estar stressado dificulta a dormir.

4 - Quando, finalmente, o stressor desaparece todas estas mudanças também desaparecem e o corpo volta à normalidade. Porém, e se o stressor nunca desaparecer?

Isto é o que acontece quando o stressor é unicamente psicológico. Com o corpo em constante estado de emergência não há armazenamento de energias, a pessoa está sempre cansada e aumenta o risco de todos os problemas supracitados, mais pressão arterial, diabetes, menor imunidade e menor eficácia de reparação de tecidos.

O stresse psicológico e social é fundamentalmente um problema das sociedades desenvolvidas. Há algo na forma como vivemos que discretamente nos destrói. Todavia, apesar de isso não ajudar, não é viver numa sociedade stressante em si que nos adoece, mas sim o efeito concreto desse stresse em nós, na forma como o interpretamos e lidamos com ele.

5 - Como Lidar com o Stresse

Enquanto há stressores universais (como situações de perigo), muitos dos stressores presentes no dia-a-dia são idiossincráticos à pessoa. Por isso, o método para lidar com o stresse depende da pessoa e depende da situação. Mas há algumas coisas que tendem a ajudar universalmente.

Eu não quero repetir as mesmas lengalengas de lidar com stresse e ansiedade, que se encontra cada vez que se escreve a palavra stresse no google. Mas de uma forma global, sem conhecer a pessoa que lê isto e sem conhecer o seu contexto, é mais ou menos isto que se pode fazer para ajudar:

  • Exercício físico, feito de livre e espontânea vontade (isto é importante ou não funciona), preferencialmente aeróbico, com a duração mínima de 30 minutos e várias vezes por semana.

  • Meditação, não é qualquer meditação para isto. Deve ser meditação baseada em mindfulness (atenção plena) ou meditação para compaixão. Duração de 15 a 30 minutos todos os dias.

  • Apoio Social, de pessoas do mesmo nível socioeconómico (senão entram aqui outras dinâmicas potencialmente prejudiciais) e não funciona para as pessoas que preferem estar sozinhas quando não têm stresse. Também ajuda fazer algo de bom para outra pessoa e ter uma relação de intimidade com a pessoa certa.

Mas a derradeira estratégia é expressa na oração da serenidade de Reinhold Niebuhr:

“Concedei-me, Senhor, a serenidade
Para aceitar aquilo que não posso mudar,
A coragem para mudar o que me for possível
E a sabedoria para saber a diferença.”

A verdadeira estratégia é perceber o que não podemos mudar e deixar de lado esforços inevitavelmente fúteis, e compreender o que podemos mudar, dirigindo para aí as nossas energias. Ao saber isso, o efeito de tomar uma decisão e proativamente fazer algo com o intuito de se ajudar, já tem um impacto muito positivo.

(Fonte geral do texto)

Até à próxima,

Ricardo Linhares

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